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Chance de mulheres se elegerem é três vezes menor que a de homens, aponta pesquisa

Projeto De Olho nas Urnas lança, em Simpósio, diagnóstico sobre a violência política de gênero nas eleições
Ilustrações: Karynne Senna (@thekarynne)
Ilustrações: Karynne Senna (@thekarynne)

O Simpósio De Olho nas Urnas – candidatura de mulheres e monitoramento da igualdade de gênero nas eleições de 2024 ocorreu na tarde da última terça-feira, 04/06, no auditório da Faculdade de Artes Visuais (FAV) da Universidade Federal de Goiás (UFG).  No evento, promovido pelo Núcleo de Direitos Humanos da UFG, foram apresentados números da desigualdade de gênero existente na política nacional. Os dados apontam que, nas últimas eleições às Câmaras Municipais, em 2020, a probabilidade de uma mulher se candidatar e se eleger foi de 5,5%, quase três vezes menor que a de um homem (taxa de sucesso de 15,2%). 

O estudo foi empreendido por cerca de 30 pesquisadoras e pesquisadores – pertencentes à UFG e a instituições parceiras – do projeto de pesquisa De Olho nas Urnas. O objetivo é estabelecer uma comparação entre o cenário político para as mulheres nas eleições legislativas dos municípios, em 2020, àquele que ocorrerá em 2024. A pesquisa é capitaneada pela UFG, com coordenação geral da professora Angelita Lima e vice-coordenação do professor Dijaci Oliveira, e vinculada ao Núcleo de Direitos Humanos (NDH) da Universidade.

No Simpósio, além dos coordenadores e de parte das estudiosas, estiveram presentes os professores João da Cruz, coordenador do NDH, e Helena Esser, filósofa e docente do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos (PPGIDH/UFG). 

O financiamento do projeto é do Congresso Nacional, via Observatório Nacional de Mulheres na Política (ONMP) da Câmara dos Deputados. Como o estudo abrange todo o território do Brasil,  a UFG estabeleceu parcerias com estudiosas de várias regiões,  tais como Distrito Federal,  Minas Gerais e São Paulo.

Desigualdade persistente

No Simpósio, além da taxa de sucesso eleitoral, foram detalhados outros números referentes à baixa representatividade de mulheres na política. Um deles é o Índice de Equilíbrio de Gênero (IEG), formulado pelas(os) estudiosas(os) a partir de uma adaptação de um outro fator, atinente à desigualdade racial.  “Nós criamos o IEG com base em estudos anteriores sobre raça. Começamos um ranqueamento do ponto de vista dos Estados: observamos que a desigualdade de gênero é persistente em todos eles. Mesmo que haja um decréscimo, ela nunca é próxima de 0, o que denotaria um equilíbrio de gênero”, explicou o professor Pedro Mundim, coordenador da equipe de análise quantitativa do De Olho nas Urnas

Quanto mais próximo de -1, menor é o equilíbrio entre homens e mulheres nas Câmaras Legislativas (Infográfico de Karynne Senna, De Olho nas Urnas)
Quanto mais próximo de -1, menor é o equilíbrio entre homens e mulheres nas Câmaras Legislativas (Infográfico de Karynne Senna, De Olho nas Urnas)

O IEG varia de  -1 a 1: quanto mais próximo de -1, maior a dominância masculina em dada situação. O índice 0, que não ocorre no Brasil, significaria perfeita igualdade entre homens e mulheres nas Câmaras Legislativas das cidades. Os valores positivos, próximos a +1, seriam referentes à dominância feminina, que também inexiste na política nacional. Os números foram estabelecidos considerando a proporção de mulheres de cada um dos Estados brasileiros.

Sudeste em baixa

As pesquisadoras aferiram que o Sudeste é a região, em termos de gênero, mais desigual do Brasil: Rio de Janeiro e Espírito Santo lideram, com IEGs de -0,82, e -0,79%, respectivamente. As regiões mais igualitárias são Norte e Nordeste, com o Acre (IEG de – 0,58) e o Rio Grande do Norte (IEG de -0,58) empatados como estados menos desiguais. Conforme explicou Mundim, mesmo nos melhores casos, os valores ainda são negativos, expressando importante desigualdade.

Pedro Mundim e Lara Maciel destacam números sobre a desigualdade de gênero na política (Foto de João Carvalho)
Pedro Mundim e Lara Maciel destacam números sobre a desigualdade de gênero na política (Foto de João Carvalho)

Em tempo real

Os dados apresentados servirão de base comparativa à próxima fase do estudo. A partir de agosto, as pesquisadoras vão realizar um monitoramento em tempo real das candidaturas femininas à vereança em 2024. Haverá ainda a verificação do horário gratuito de propaganda eleitoral, em todas as capitais do país, veiculado nas emissoras de TV. A ideia é monitorar, a partir de uma análise semiótica, as falas que possam caracterizar violência política às mulheres.   

Angelita Lima explica o ineditismo em monitorar, em tempo real, a violência política contra as mulheres (Foto de Luana Borges)
Angelita Lima explica o ineditismo em monitorar, em tempo real, a violência política contra as mulheres (Foto de Luana Borges)

Para Angelita Lima, coordenadora do projeto, o ineditismo da iniciativa reside, justamente, nesta possibilidade de monitorar o tempo presente, estabelecendo comparações e percebendo os avanços e retrocessos do período. “A pesquisa é inédita no sentido do recorte. Nós temos a oportunidade, de fato, de acompanhar um objeto em evolução, gerando uma sequência”, explicou a docente.

Sem literatura

Sobre o ineditismo, a pesquisadora Lara Maciel ressaltou que há uma escassez de literatura sobre o tema. Segundo ela, apesar de todos concordarem que as esferas políticas brasileiras são dominadas por homens, a Academia –  no campo da Sociologia, da Política ou dos Estudos de Gênero – ainda não havia feito um estudo sistemático e abrangente sobre a realidade das mulheres na esfera política. 

Professores João da Cruz, Helena Esser e Dijaci Oliveira (Foto de João Carvalho)
Professores João da Cruz, Helena Esser e Dijaci Oliveira (Foto de João Carvalho)

“A literatura brasileira não se interessa pelo tema. A principal entrega foi listar dados aleatórios que estavam em pesquisas dispersas, muitas sem garantia de um método rigoroso. Ao analisá-los, praticamente tivemos de começar do zero”, frisou Lara.

Na justiça

Além do monitoramento quantitativo, as pesquisadoras do De Olho nas Urnas analisaram processos judiciais abertos em 2020 sobre candidaturas fictícias e sobre violência política contra as mulheres. Nessa área, concluiu-se que, das candidatas que denunciaram violência política, pouco mais da metade (54%) concorreram à prefeitura. 

Ana Carolina Bueno destaca: foram 121 notícias de violência contra candidatas em 2020 (Foto de João Carvalho)
Ana Carolina Bueno destaca: foram 121 notícias de violência contra candidatas em 2020 (Foto de João Carvalho)

As candidaturas fictícias são aquelas que tentam fraudar a reserva, prevista em Lei, de 30% das vagas do Legislativo para as mulheres. Nesse âmbito, notou-se que não existe diferença, na proporção de processos abertos, no que se refere às filiações partidárias. Isso quer dizer que tanto partidos de esquerda quanto de direita figuram igualmente nesses processos. Todavia, as regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte são aquelas com maior número de judicializações por tentativas de fraude ao quantitativo mínimo, exigido aos partidos, de candidatas mulheres.

Na mídia

Outra face da pesquisa é a análise de 12 sites, de variados espectros ideológicos, que publicaram matérias sobre a violência política contra a mulher. Como a lei que tipifica este crime só foi sancionada em 2021, muitas notícias, conforme explicou a pesquisadora Ana Carolina Bueno, não traziam, especificamente, o termo “violência política de gênero”, embora tratassem do assunto.

Mulheres sofrem violência política, não importa se à esquerda ou à direita. O que muda é o tipo do ataque sofrido. (Infográfico de Karynne Senna, De Olho nas Urnas)
Mulheres sofrem violência política, não importa se à esquerda ou à direita. O que muda é o tipo do ataque sofrido. (Infográfico de Karynne Senna, De Olho nas Urnas)

“Isso dificultou um pouco a análise. Mas, pelo que concluímos, quanto mais próximo do pleito, maiores foram as ocorrências de violência: 43% delas ocorreram em novembro, 24% em outubro e 10,7% em setembro”, explicou a estudiosa. Nas últimas eleições municipais, foram 121 incidentes de violência política contra as mulheres nos principais sites do país. O Estado do Rio de Janeiro, mais uma vez, está à frente do mapa, com 32% dos casos. 

Dos tipos de violência noticiados, 69% dizem respeito à violência psicológica ou simbólica. Em seguida, aparecem a violência econômica, com 13% das ocorrências, e a física –  incluindo feminicídio e tentativa de feminicídio – com 10% das menções. Quanto aos subtipos, 16% se referem ao desmerecimento das candidatas – como se elas não fossem responsáveis pelo próprio sucesso eleitoral, como se dependessem do capital político de outra pessoa, como se não fossem aptas à função, ou como se estivessem no lugar errado. Já a intimidação e ameaça, juntamente com o não repasse de verbas, correspondem a aproximadamente 8% dos casos.

Escuta

A complexidade e a interdisciplinaridade do estudo também se traduziram em captações qualitativas por parte das pesquisadoras. Nesse sentido, foram realizadas 80 entrevistas em profundidade, com candidatas eleitas e não eleitas do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste brasileiros. A professora Paula Gabriela Lima, coordenadora da equipe de análise qualitativa do De Olho nas Urnas, explicou que as entrevistadas foram escolhidas proporcionalmente à porcentagem de eleitas em cada região, de modo que as realidades  regionais conseguissem ser aferidas a contento.

Paula Lima e Luciana Oliveira apresentam dados qualitativos (Foto de João Carvalho)
Paula Lima e Luciana Oliveira apresentam dados qualitativos (Foto de João Carvalho)

As entrevistas – que duraram de uma a três horas – funcionaram como momentos de catarse às candidatas. “A maioria dos diálogos foi demorada porque não tem quem ouça essas mulheres: elas não têm espaço de escuta”, ressaltou Paula. Para a pesquisadora, o que foi unânime, entre todas as falas, foi a exaustão. “Elas relatam para a gente que, na política, elas sempre têm de fingir recato. Os homens aparecem em fotos, nos eventos, confortáveis, às vezes bebendo. Se as mulheres estão nesta mesma posição, elas são julgadas”, ponderou a professora.

Pressão estética agravada pelas redes sociais; julgamentos referentes ao comportamento; excesso de trabalho para comprovar competência; culpa por não ter onde deixar os filhos durante as convenções dos partidos; inviabilidade dos horários das reuniões para quem, além da política e de outro emprego remunerado, ainda trabalha em casa, cuidando das crianças e dos idosos; falta de apoio da família, sobretudo dos maridos: tudo isso gera, como foi evidenciado no conjunto das entrevistas, sobrecarga às mulheres, afastando-as da política.

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