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Mulheres candidatas sofrem com violência naturalizada na política, aponta pesquisa

Pesquisadoras da UFG e instituições parceiras apresentaram, no Congresso Nacional, os dados coletados no projeto De Olho nas Urnas
Ilustrações: Karynne Senna (@thekarynne)
Ilustrações: Karynne Senna (@thekarynne)

“Quantos desafios, quantas discriminações, quantos problemas eu tive que enfrentar. Ser mulher, negra, pobre, sem nenhuma raiz na política, é uma caminhada muito difícil”, relatou Rosária Helena, vereadora do município de Ouro Preto do Oeste, Rondônia, ao assistir ao Simpósio De Olho nas Urnas. O evento, realizado na última quarta-feira, 19/06, no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, em Brasília, apresentou os resultados da primeira etapa da pesquisa sobre a candidatura de mulheres e o monitoramento da igualdade de gênero nas eleições de 2024.

Equipe na 4ª edição dos Encontros do Observatório Nacional de Mulher na Política

Crédito: Luana Borges
Equipe na 4ª edição dos Encontros do Observatório Nacional de Mulher na Política Crédito: Luana Borges

O estudo é conduzido por cerca de 30 pesquisadoras e pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) e de instituições parceiras. Dentre os objetivos, o projeto de pesquisa De Olho nas Urnas, financiado pelo Congresso Nacional, via Observatório Nacional de Mulheres na Política (ONMP) da Câmara dos Deputados, visa conectar os dados coletados à realidade das candidatas, buscando entender e mitigar as barreiras que dificultam a participação feminina na política. Os resultados preliminares, os quais abrangem todos os estados do Brasil, também alertam para a necessidade de políticas públicas que promovam a equidade e incentivem a presença feminina nos espaços de poder.

Os resultados da primeira etapa foram apresentados durante a 4ª edição dos Encontros do Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP). A coordenadora geral do ONMP, deputada federal Yandra Moura, ressaltou a importância do projeto. “Quero reiterar o meu orgulho do De Olho nas Urnas, que será um case de sucesso para o Observatório. Tomaremos esse projeto como base para as futuras parcerias que fizermos com institutos e universidades. Tudo muito didático, com linguagem simples, para que todas as mulheres possam entender e acessar”.

A coordenadora do projeto De Olho nas Urnas e reitora da UFG, Angelita Lima, destacou, durante o simpósio, o caráter multidisciplinar do projeto. “É uma pesquisa com escopo complexo, por isso foi dividida em três etapas. A primeira etapa é esta que termina hoje, com a apresentação dos principais resultados, e até o final de julho entregaremos os relatórios. Além das pesquisadoras e pesquisadores, e da pesquisa em si, nós temos site e equipe de comunicação. Pois não adianta fazermos pesquisas se elas não atingirem e não informarem as pessoas”.

A primeira fase da pesquisa foi composta por três técnicas de coleta e análise de dados: entrevistas em profundidade, para conhecer as vivências de mulheres que ocupam ou ocuparam cargos políticos; raspagem de dados do TSE, referentes às eleições municipais de 2020, para análise comparativa com os dados que serão investigados nas eleições de 2024; e análise de notícias sobre violência política contra candidatas às eleições municipais ou recém-eleitas em 2020.

Violência nas entrelinhas

Foram realizadas 80 entrevistas em profundidade, com candidatas eleitas e não eleitas em 2020, do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste brasileiros. Os dados coletados a partir dos relatos revelaram cenários comuns em que a violência de gênero aparece. Segundo a pesquisadora Najla Frattari, que apresentou o painel, as entrevistadas relataram situações diversas que as afastam da política, ligadas a machismo; imposições sobre o lugar social da mulher; trabalho reprodutivo como impedimento à carreira política; pressão estética agravada pelas redes sociais; falta de apoio da família; dentre outras.

Angelita Lima [em 1º plano] assiste à apresentação dos resultados: “não adianta fazermos pesquisas se elas não informarem as pessoas”

Crédito: Luana Borges
Angelita Lima [em 1º plano] assiste à apresentação dos resultados: “não adianta fazermos pesquisas se elas não informarem as pessoas” Crédito: Luana Borges

A estratégia das entrevistas em profundidade foi desenhada para compreender as experiências das mulheres na política sem induzir respostas, explica Najla. “Não fizemos perguntas diretas mencionando o termo ‘violência de gênero’, mas, sim, buscamos perguntar sobre a trajetória e vivências das mulheres. Situações de violência política de gênero apareceram de modo natural e espontâneo em todas as entrevistas, embora muitas mulheres não mencionaram as situações diretamente como ‘violência’”.

De acordo com os resultados, as entrevistadas relataram vivências de violência política de gênero de forma velada, se referindo a situações em que as formas de discriminação, assédio ou hostilidade são sutis ou mascaradas, realidade que dificulta a identificação como violência. As experiências são marcadas por comentários depreciativos disfarçados de brincadeiras e até mesmo por práticas institucionais que perpetuam desigualdades de gênero sem necessariamente se manifestarem explicitamente como agressões físicas ou verbais diretas.

Estados desiguais

A pesquisa também analisa dados abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), referentes ao pleito municipal de 2020, disponíveis em sítio público. “Essa coleta tem como objetivo principal nos auxiliar a interpretar o panorama das eleições de 2020 para fazer um comparativo com as eleições que ocorrerão neste ano de 2024”, explica a pesquisadora Lara Maciel.

Evento encerrou a primeira fase da pesquisa. A próxima etapa é o monitoramento das eleições de 2024

Crédito: ONMP
Evento encerrou a primeira fase da pesquisa. A próxima etapa é o monitoramento das eleições de 2024 Crédito: ONMP

Dentre os números, destaca-se que a probabilidade de uma mulher se candidatar e se eleger é de 5,5%, isto é, quase três vezes menor que a de um homem, com taxa de sucesso de 15,2%. Entre as cinco menores taxas de sucesso, três estão na região Sudeste, com destaque para o Rio de Janeiro, com apenas 1,37%. As maiores taxas de sucesso foram observadas no Piauí, com aproximadamente 13%, e Rio Grande do Norte com aproximadamente 11%.

Na mídia

A pesquisa também inclui a análise de 12 sites de diferentes espectros ideológicos, que publicaram matérias sobre a violência política contra a mulher. Como a lei que define este crime foi sancionada apenas em 2021, muitas das notícias não utilizavam especificamente o termo “violência política de gênero”, embora abordassem o tema. Segundo os dados apresentados pela pesquisadora Roberta Viegas, a violência psicológica e simbólica afetou mais as candidatas de esquerda, enquanto a violência econômica foi mais prevalente entre as candidatas de direita.

“De acordo com as notícias que analisamos, a violência aumentou no período de setembro a dezembro, a partir da autorização da promoção do nome [nas campanhas] até o mês após a eleição. Também percebemos que a violência política é subnotificada e subsilenciada, principalmente em localidades menores”, completou Viegas.

A deputada federal Gisela Moura frisou o papel do projeto De Olho nas Urnas de informar e propor reflexões sobre a trajetória das mulheres na política. “A cada encontro, estamos sempre muito ansiosas pelos resultados do projeto pois, sem dúvidas, ele tem colaborado muito no dia a dia das mulheres que se interessam a participar das eleições em nosso país. Esse trabalho tem sido fundamental para que possamos aprender e melhorar esse caminho tão difícil. Que as mulheres que vierem não passem por tudo que a gente já passou”, disse.

Para Rosária Helena, que foi a única mulher eleita na Câmara Municipal de sua cidade em 2020, a pesquisa é um passo importante para transformar essa realidade. “É muito difícil, mas a palavra que deixo para aquelas que estão buscando seu primeiro mandato é: não desistam. A política é desafiadora para nós, mulheres, mas é possível vencer,” encorajou, ressaltando a importância do enfrentamento à violência política de gênero.

As equipes de pesquisadoras e pesquisadores da UFG trabalham para a publicação dos relatórios finais no dia 30 de julho de 2024. Enquanto isso, é possível acessar os resumos de cada coleta de dados na página Dados e Análise, no site do projeto De Olho nas Urnas.

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